choque de gestão

Friday, December 29, 2006

As duas chuvas

Começou com muito amor ou com algo muito parecido. Ainda lembro da imitação do Tim Maia, da aula única de francês, das comidas, dos livros publicados ou não. Lembro dos fogos, do filminho com minha voz estridente e bêbada, da chuva. Da chuva que caía sem parar. De olhar a chuva que caía sem parar. Deitada, abraçada, admirando a chuva que caía sem incomodar. Não sei se existe felicidade nem o que essa palavra significa. Mas aquelas horas podem ser classificadas como um extrato dessa coisa chamada felicidade.
Começou com muito amor, mas ele não resistiu. E o ano que teve seu início tão incrível ficou triste como nunca outro tinha sido. E, de repente, olhar a chuva já não fazia mais sentido. E, por isso, nenhuma outra gota ficou guardada na minha memória. Não sei dizer ao certo o que é felicidade, mas fui apresentada a uma tristeza sem igual.
E assim foi por um tempo até que a vida se reorganizou, com nova casa, nova rotina, mais amigos, menos amores. Aos poucos, as lágrimas foram sendo ultrapassadas pelos risos. A agenda positiva funcionou. Os resultados vieram, acompanhados de mudanças. Passou.
E pouco antes de ele, o ano, terminar, uma outra chuva virou inesquecível. O cenário era outro, a proximidade dos corpos era outra, a intensidade dos pingos era menor; tudo estava diferente. Quase tudo _a tranqüilidade tirada daqueles braços, daqueles abraços, continuou imensa. Mesmo depois de tudo o que aconteceu neste ano.

Wednesday, December 13, 2006

Sai daí rapidinho, sai

Lula terá minoria no Senado na próxima legislatura. A notícia não é tão ruim _para ele_ quanto soa. A oposição perderá em 2007 três grandes senadores. Além da diminuição do cerco ao governo e aos petistas, ficaremos todos sem os principais frasistas deste Congresso. Deixam a Casa o ótimo Arthur Virgílio (PSDB-AM), dono das melhores declarações da oposição, Jorge Bornhausen (PFL-SC), aquele do "essa raça", e Heloísa Helena (PSOL-AL), que chorou hoje no plenário das 14h às 17h.

Foi no auge do mensalão que Arthur Virgílio, derrotadíssimo na disputa pelo governo do Amazonas, disparou sua melhor frase:

"Vamos acabar também com essa história de que o sr. Lula não sabe de nada. Até o meu filho de dez anos sabe! Ou ele é um completo idiota, ou o sr. Lula sabe de toda a corrupção que se passou embaixo do seu nariz. (...) Na melhor das hipóteses, sr. Lula, o senhor é um idiota! Na melhor das hipóteses! Na pior, o sr. é um corrupto!".

Violência também é marca das declarações de Bornhausen, que deixa o mandato para se dedicar ao partido. Pediu o impeachment do presidente e se mostrou um péssimo vidente:

"Porque a gente vai se ver livre dessa raça [PT], por, ao menos, 30 anos".

De HH, além do ódio ao José Dirceu e aos banqueiros, fica sua atuação na campanha, quando chamou Fátima Bernardes, ao vivo, de "minha florzinha" e a sua única aparição na Casa sem a tradicional combinação jeans-camisa branca, em 2004, quando foi ao plenário direto de um casamento, vestindo saia curta e sapato de salto alto.

Sem eles, a oposição enfraquece. Mas, como disse Elio Gaspari no último domingo, "os senadores tucanos são como os petistas: só fazem oposição a eles mesmos". Que venha Heráclito Fortes (PFL-PI)!

Friday, December 08, 2006

O choque de gestão

Há uma semana durmo numa nova cama, dentro de uma nova casa, vivendo, portanto, uma nova vida. Nos últimos sete dias, aprendi já, por exemplo, que é muito difícil sair pelo bairro sem encontrar algum conhecido. Logo no primeiro dia, vi três, sendo um deles o mais previsível de todos. Por isso, nunca saio de casa como se tivesse acabado de acordar, com qualquer cabelo, com qualquer roupa. Como disse uma amiga, Santa Cecília virou minha pequena Manhattan. Assim sendo, sempre faço uma miniprodução antes de pegar o elevador.

O prédio, já percebi, é bem tranqüilo, com vizinhos diversificados. Logo ao lado da minha porta, há um homem de uns 45 anos, que acho que usa o apartamento para fins comerciais. Me pareceu um analista. Mas não posso cravar. Já pegamos o elevador juntos mais de duas vezes e ele pouco me olha, pouco me cumprimenta. Mas é gentil o suficiente para segurar a porta e me deixar sair primeiro. Acho que basta. A vizinha da frente é a Maria Lucia, dona do meu apartamento. Ainda não deu as caras, o que é ótimo. Nos outros andares, há outras mulheres solteiras, uma delas uma Erika Palomino wannabe, toda bem loira, com all-star de cano longo de vinil pink, blusa dourada e Ray-ban. Está sempre acompanhada de amigos da noite, mas em plena luz da Santa Cecília.

(Oficialmente, aliás, meu CEP é registrado como sendo em Higienópolis. Mas eu faço questão de ser da Santa Cecília, me recusando, assim, a morar no mesmo bairro do nosso ex*!)

Voltando à minha Manhattan, assim chamada porque consigo resolver qualquer tipo de problema _pelo menos até agora_ nos quarteirões que me rodeiam. Já testei sapateiro, cabeleireiro, supermercado, assistência técnica, restaurantes, bares e peças para casa (resistência, varal, fios elétricos e etc.). Por muita sorte, tem um caixa eletrônico do meu banco dentro da Santa Casa, minha vizinha da frente. Lindo, lindo. Dá para sair atrasada para a análise e passar lá para pegar dinheiro. Como trabalho a exatos oito minutos de onde moro, só saí do bairro em duas oportunidades, para ir até a avenida Paulista, onde estudo e trato das minhas "questões". Ainda assim, sempre volto a pé.

Também tenho comido na vizinhança, por enquanto só no Aroma Café, onde encontro desconhecidos, a maioria médicos. Por causa da Santa Casa, eles são muitos na região. Até agora, nada contra. Me sinto segura almoçando perto de médicos. Afinal, quase sempre estou sozinha e, com eles por perto, não preciso ter medo de morrer sufocada com um grão de feijão mal engolido. Nos outros dias, tenho procurado comer em casa. Para abastecer a geladeira, percorro os supermercados de Santa Cecília e Higienópolis. Por enquanto, o único vetado é o Pão de Açúcar da Maria Antonia, o preferido dos estudantes do Mackenzie, muitos deles moradores da área. O lugar é pequeno e fica cheio de filas, principalmente porque os universitários ficam fazendo vaquinhas na hora de pagar seis latinhas de cerveja ou pagam duas coca-colas com cartão de crédito. Enfim, não tenho mais idade para isso.

Da série visitas, a semana foi cheia. Os primeiros, o núcleo duríssimo, foram no sábado mesmo e compreenderam a falta de um saca-rolhas, que, aliás, ainda não existe. Sentaram no chão, eu, na minha cadeira e todos rimos muito, as usual. O domingo foi só meu. Na segunda, recebi um amigo, com quem dividi a primeira garrafa de champanhe. Na quarta, dois integrantes do núcleo duro, meus adoráveis vizinhos, foram comer uma pizza comigo. Hoje, apresentei o mini-loft (apelido by Mimos) a uma querida amiga, com quem almocei depois. E assim tem sido. Só fico sozinha nos dias em que quero. Era exatamente isso o que desejava ao levar adiante o projeto solo.

Sim, tenho sido feliz morando sozinha. Antes, saindo dos pais, tinha ido morar com o namorado, o que foi muito produtivo. Foi assim que aprendi a resolver, sem muitos dramas, problemas da casa, como uma resistência de chuveiro queimada. (Até porque ele era meio encostado, registre-se.) Quando saí da nossa casa, que virou a dele, fiquei um ano e pouco no limbo, entre os meus pais, minha base oficial, e a casa de um outro sujeito. Médio legal, porque uma pessoa sem referência de lar não fica bem, eu posso provar. E, depois de alguns meses só nos meus pais, posso saborear, enfim, o prazer de chegar e encontrar tudo no lugar em que deixei, decidir sozinha coisas da decoração, do conteúdo da geladeira, do que toca no rádio e do que passa na TV e por aí vai.

Falando em rádio, esse é o único ponto negativo da primeira semana. Logo no primeiro uso do meu som novíssimo, coloquei numa tomada 220 sem aviso e, claro, ele queimou. Me resta ouvir música no DVD, que, de tão antigo, não reproduz CDs gravados. Mas nem isso tira o meu bom humor, conquistado também depois de ótimas noites dormidas. O apartamento é muito silencioso, as cortinas impedem a luz, a cama é bem confortável.

Tudo caminha bem, como previa. Ainda espero três visitas importantes. Uma da minha amiga que mora no Rio e que também acabou de se mudar. Outra de um amigo, o mais engraçado de todos, que sabe de cor a planta do meu apartamento e com quem aprendi a arte de comprar uma boa cama e bons lençóis. E outra, de quem me ajudou mais do que imagina, com conselhos, risadas, perguntas que ninguém fez, com uma atenção especial para detalhes, com elogios lindos e _ainda bem_ totalmente fora de hora.

Também espero os dias em que me sentirei sozinha, os encontros indesejáveis na vizinhança, as horas em que ficarei com medo. Mas, acima de tudo, espero nunca esquecer da semana em que me senti mais mulher do que menina, mais capaz do que incapaz, mais feliz do que triste.


(*) Ver sobre "nosso ex" nas primeiras postagens

Wednesday, December 06, 2006

É por tudo isso

Porque eu desenvolvi um TOC de limpeza
Porque eu acordo mais cedo para só ficar em casa
Porque eu ando descobrindo o silêncio
Porque, depois da resistência, agora me falta o controle
Porque eu preciso de uma pecinha para o varal
Porque meus cabelos caem demais
Porque a minha TV não pega nenhum canal
Porque só nesta semana eu descobri os Los Hermanos
Porque a minha cama é deliciosa
Porque eu sempre tive medo do escuro total
Porque me sinto observada
Porque o abraço é o mesmo
Porque segredo é segredo
Porque há os queijos e o champanhe
Porque há amigos e algo mais
Porque o elogio dele no meio da tarde é o meu sorriso
Porque eu sei o que quero
Porque às vezes não sei se quero companhia ou não
Porque eu posso escolher os problemas que quero ter
Porque eu devolvo o anel e as lembranças
Porque quando acaba, acaba

Tuesday, December 05, 2006

Primeiras impressões 4

O conselho (mais bonito)

"Presta atenção se a mão dele não está suja quando ele for colocar o lustre. Para ele não sujar o teto."

Monday, December 04, 2006

Primeiras impressões 3

A cortina

Mesmo sendo uma segunda-feira, ela levanta ao meio-dia, feliz por ter já instalado as cortinas. Afinal, dormir ali depois das 7h só mesmo com cortinas de blecaute. E elas funcionam. Custaram caro, mas funcionam. E isso é o que importa agora, ela pensa. Na noite anterior, tinha sido quase impossível dormir depois das 7h30, mesmo com a máscara nos olhos. O sol entrou direto pela janela, em direção à cabeceira da cama, que não tem cabeceira. Além da luminosidade fora de hora, a cama virou um forno, e ela teve de ficar lutando contra lençóis e edredon.
Mas, bem, aquela noite, a primeira com as cortinas grandes, tinha sido bem dormida. Tão bem dormida que, apesar do mundo de coisas para resolver, ela só conseguiu se levantar ao meio-dia. Em ponto. Olhava o relógio, 10h30. "Vou dormir mais." Deu 11h46, e estipulou: "Ao meio-dia me levanto de vez". Assim foi. Levantou, deu dois passos, alcançou a cortina um, abriu as duas partes, alcançou a cortina dois e fez o mesmo. Abriu a janela quatro folhas _o amigo a havia ensinado a nomenclatura. Ainda de camisola branca de seda, especialmente escolhida para aquela primeira noite com cortinas, viu que fazia sol e que quase não havia percebido isso, graças ao blecaute.
Rumo ao banheiro, ouviu o celular apitar. Uma mensagem: "Você mora no último andar e tem uma varandinha no quarto?". Sim, era isso, era o sexto e último andar e uma varandinha no quarto. "Te vi, camisola branca, abrindo a cortina." Ainda sorrindo, tomou banho, se arrumou e saiu pelas ruas. Voltou com a depilação feita, com a resistência comprada e com uma garrafa de champanhe na sacola.

Primeiras impressões 2

A primeira caminhada

-- E aí?
-- Não vai me dar um beijo? Tudo bem? Já mudou?
-- Sim.
-- Já dormiu lá?
-- Sim.
-- Eu vi o carro no sábado na frente do prédio. Pensei em parar.
-- ...
-- Minha família vai almoçar em casa hoje.
-- A farmácia ainda é longe daqui?
-- Aqui devia ter farmácia boa, é perto do hospital...
-- É. Bom, tchau, vou até a Angélica e você vira aqui.
-- Tchau, bem-vinda ao bairro.

Primeiras impressões 1

O contrato

"O imóvel é alugado para fins residenciais, sendo, portanto, vedada qualquer utilização dele para fins comerciais, escritórios, ateliês, consultórios, casa de jogos e reuniões dançantes, políticas ou religiosas."