choque de gestão

Tuesday, July 10, 2007

Sáfari gelatinoso

Sou uma hipocondríaca que não tem visitado médicos e hospitais ultimamente. Uma pena. Aprecio bastante a ida a um bom consultório médico, a ponto de não me importar com aqueles 20 minutinhos previsíveis de atraso, desde que, claro, a sala de espera tenha uma coleção atualizada de revistas de fofoca e não só publicações médicas. "Veja" velha também não vale. Se estiver tocando aquela Alfa FM baixinho, fica melhor ainda. A perfeição mesmo só se for sexta-feira chuvosa e a cidade estiver afundando lá fora em alguma cratera do metrô. O mundo paulistano acabando e Barbra Streisand canta "Promisses". São minutos de total tranqüilidade, pelo quase silêncio, pela falta do que fazer, pela proximidade da solução de algum problema e pelo prazer antecipado de ter em mãos uma receita robusta com medicamentos de preço elevado. Como todo bom hipocondríaco, também me satisfaz enormemente pisar em farmácias e ler bulas -- já pulo logo para "indicações" para ver a qual sorte de mazelas pertenço.

Escrevo isso e quase me esqueço do que realmente queria contar (sim, estou imitando descaradamente o Nelson). Apesar de ser hipocondríaca, tenho hoje pendências em três especialidades médicas, incluindo a oftalmologia. Tantos anos faz que não repito as letrinhas lá longe que meu óculos de míope estão mais de um grau defasados, como se fossem cruzeiros em tempos de real valorizado -- não valem nada. Mas quem precisa de óculos se as lentes de contato descartáveis e gelatinosas existem aí, deixando nossas faces mais belas, rápidas e disponíveis?

Era o que pensava até ir morar no meu atual bairro, reconhecido internacionalmente pela eficiência e multiplicidade de seus serviços. Ao redor do meu quarteirão disponho de três óticas pequenas, de portinha estreita, e, umas duas ruas pra lá, encontro todas as categorias de drogarias, incluindo as grandes redes e as que tentam sobreviver neste mundo capitalista cruel.

Bem, foi então que um dia percebi que todos os três pares de lentes que vêm na caixinha tinham sido usados. Atrasada para exercer o meu ofício e cega, portando os óculos velhos, saí em busca de um novo par. Cheguei à primeira pequena ótica e perguntei por "Acuvue dois, menos dois e meio". (Sem ir ao médico, fui reajustando progressivamente o grau que uso por minha própria conta e risco.) Ouvi da balconista entediada pelo vazio da loja que a casa "não trabalha com lentes de contato". Achei estranho, mas segui em frente. Parei no mesmo quarteirão, em outra ótica. "Oi, tem Acuvue dois, menos dois e meio?" Não, eles também não tinham.

Foi aí que surgiu o espanto que motiva estes parágrafos -- como é possível que uma ótica de bairro à beira de uma visível falência se negue a vender lentes de contato? 1) Ou eles estão lavando dinheiro num negócio de fachada; ou 2) eles militam em alguma associação contra as gelatinosas em prol de aros caros e de grife.

Ainda durante o meu questionamento, lembrei que as farmácias de rede incluíram recentemente nas suas prateleiras lentes de contato. A caminho do que parecia ser a solução, atravessei sem enxergar duas grandes ruas e cheguei à drogaria que leva o nome deste rico Estado. "Tem Acuvue dois?". "Sim." "Ah, Deus seja louvado! Quero uma caixa de menos dois e meio, por favor." "Claro, a senhora me empresta (sic) a receita, por favor." Entrei no túnel do tempo e nem sequer consegui lembrar a última vez que estive em posse daquele papel que deve estar com o telefone do médico ainda em sete algarismos. "Ai, moça, tô sem ela aqui..." "Não vendemos sem receita, infelizmente", disse a vendedora, já virando as costas e eliminando toda possibilidade de barganha.

Já me corrijo e digo que foi aí -- e não ao sair da segunda ótica -- que surgiu meu verdadeiro espanto. Por que catso farmácias exigem receita para vender lente de contato se, como é sabido, elas vendem remédio de úlsera usado para fins abortivos com apenas um pouco mais de dificuldade com que oferecem aspirina? Que mal pode haver na venda indiscriminada desse produto, que não pode ser usado em excesso, que não traz nenhum benefício (ou malefício) ao usuário se for manuseado com má-fé (ou de forma irregular) e que não pode ser usado em outra pessoa que não em si próprio? Sério, se alguém souber qual o grande perigo que há por trás das lentes de contato, pode me escrever.

Ainda flutuando sobre o torpor que o choque me causara, pensava em complô e lobbies em favor da indústria oculista quando, ainda mais atrasada, me lembrei do shopping center do bairro fancy logo ali, onde o que importa mesmo é dinheiro na mão e cachorro no colo. Entrei na primeira ótica, de médio porte, pedi, peguei, paguei, fui ao banheiro, vesti as lentes e segui andando para o trabalho, que, devido ao safári, tinha ficado ainda mais longe. Mas não deixei de notar uma novidade, parafraseando o LCD Soundsystem (afinal, eu só ouço Alfa FM nas salas médicas): "Santa Cecília, I love you but you’re bringing me down".

1 Comments:

At 2:34 AM, Anonymous Anonymous said...

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