Há uma semana durmo numa nova cama, dentro de uma nova casa, vivendo, portanto, uma nova vida. Nos últimos sete dias, aprendi já, por exemplo, que é muito difícil sair pelo bairro sem encontrar algum conhecido. Logo no primeiro dia, vi três, sendo um deles o mais previsível de todos. Por isso, nunca saio de casa como se tivesse acabado de acordar, com qualquer cabelo, com qualquer roupa. Como disse uma amiga, Santa Cecília virou minha pequena Manhattan. Assim sendo, sempre faço uma miniprodução antes de pegar o elevador.
O prédio, já percebi, é bem tranqüilo, com vizinhos diversificados. Logo ao lado da minha porta, há um homem de uns 45 anos, que acho que usa o apartamento para fins comerciais. Me pareceu um analista. Mas não posso cravar. Já pegamos o elevador juntos mais de duas vezes e ele pouco me olha, pouco me cumprimenta. Mas é gentil o suficiente para segurar a porta e me deixar sair primeiro. Acho que basta. A vizinha da frente é a Maria Lucia, dona do meu apartamento. Ainda não deu as caras, o que é ótimo. Nos outros andares, há outras mulheres solteiras, uma delas uma Erika Palomino wannabe, toda bem loira, com all-star de cano longo de vinil pink, blusa dourada e Ray-ban. Está sempre acompanhada de amigos da noite, mas em plena luz da Santa Cecília.
(Oficialmente, aliás, meu CEP é registrado como sendo em Higienópolis. Mas eu faço questão de ser da Santa Cecília, me recusando, assim, a morar no mesmo bairro do nosso ex*!)
Voltando à minha Manhattan, assim chamada porque consigo resolver qualquer tipo de problema _pelo menos até agora_ nos quarteirões que me rodeiam. Já testei sapateiro, cabeleireiro, supermercado, assistência técnica, restaurantes, bares e peças para casa (resistência, varal, fios elétricos e etc.). Por muita sorte, tem um caixa eletrônico do meu banco dentro da Santa Casa, minha vizinha da frente. Lindo, lindo. Dá para sair atrasada para a análise e passar lá para pegar dinheiro. Como trabalho a exatos oito minutos de onde moro, só saí do bairro em duas oportunidades, para ir até a avenida Paulista, onde estudo e trato das minhas "questões". Ainda assim, sempre volto a pé.
Também tenho comido na vizinhança, por enquanto só no Aroma Café, onde encontro desconhecidos, a maioria médicos. Por causa da Santa Casa, eles são muitos na região. Até agora, nada contra. Me sinto segura almoçando perto de médicos. Afinal, quase sempre estou sozinha e, com eles por perto, não preciso ter medo de morrer sufocada com um grão de feijão mal engolido. Nos outros dias, tenho procurado comer em casa. Para abastecer a geladeira, percorro os supermercados de Santa Cecília e Higienópolis. Por enquanto, o único vetado é o Pão de Açúcar da Maria Antonia, o preferido dos estudantes do Mackenzie, muitos deles moradores da área. O lugar é pequeno e fica cheio de filas, principalmente porque os universitários ficam fazendo vaquinhas na hora de pagar seis latinhas de cerveja ou pagam duas coca-colas com cartão de crédito. Enfim, não tenho mais idade para isso.
Da série visitas, a semana foi cheia. Os primeiros, o núcleo duríssimo, foram no sábado mesmo e compreenderam a falta de um saca-rolhas, que, aliás, ainda não existe. Sentaram no chão, eu, na minha cadeira e todos rimos muito, as usual. O domingo foi só meu. Na segunda, recebi um amigo, com quem dividi a primeira garrafa de champanhe. Na quarta, dois integrantes do núcleo duro, meus adoráveis vizinhos, foram comer uma pizza comigo. Hoje, apresentei o mini-loft (apelido by Mimos) a uma querida amiga, com quem almocei depois. E assim tem sido. Só fico sozinha nos dias em que quero. Era exatamente isso o que desejava ao levar adiante o projeto solo.
Sim, tenho sido feliz morando sozinha. Antes, saindo dos pais, tinha ido morar com o namorado, o que foi muito produtivo. Foi assim que aprendi a resolver, sem muitos dramas, problemas da casa, como uma resistência de chuveiro queimada. (Até porque ele era meio encostado, registre-se.) Quando saí da nossa casa, que virou a dele, fiquei um ano e pouco no limbo, entre os meus pais, minha base oficial, e a casa de um outro sujeito. Médio legal, porque uma pessoa sem referência de lar não fica bem, eu posso provar. E, depois de alguns meses só nos meus pais, posso saborear, enfim, o prazer de chegar e encontrar tudo no lugar em que deixei, decidir sozinha coisas da decoração, do conteúdo da geladeira, do que toca no rádio e do que passa na TV e por aí vai.
Falando em rádio, esse é o único ponto negativo da primeira semana. Logo no primeiro uso do meu som novíssimo, coloquei numa tomada 220 sem aviso e, claro, ele queimou. Me resta ouvir música no DVD, que, de tão antigo, não reproduz CDs gravados. Mas nem isso tira o meu bom humor, conquistado também depois de ótimas noites dormidas. O apartamento é muito silencioso, as cortinas impedem a luz, a cama é bem confortável.
Tudo caminha bem, como previa. Ainda espero três visitas importantes. Uma da minha amiga que mora no Rio e que também acabou de se mudar. Outra de um amigo, o mais engraçado de todos, que sabe de cor a planta do meu apartamento e com quem aprendi a arte de comprar uma boa cama e bons lençóis. E outra, de quem me ajudou mais do que imagina, com conselhos, risadas, perguntas que ninguém fez, com uma atenção especial para detalhes, com elogios lindos e _ainda bem_ totalmente fora de hora.
Também espero os dias em que me sentirei sozinha, os encontros indesejáveis na vizinhança, as horas em que ficarei com medo. Mas, acima de tudo, espero nunca esquecer da semana em que me senti mais mulher do que menina, mais capaz do que incapaz, mais feliz do que triste.
(*) Ver sobre "nosso ex" nas primeiras postagens