Quase profissional
Eu bebo há 14 anos _desde o 13, portanto. Mas só aos 15 eu passei mal pela primeira vez. Tomei, sei lá, três copos de chope desse de serpentina alugada e vomitei. Me deram água, duas chocolícias e eu fui para cama. Revisitei essa cena outras vezes até os 18/19 anos, quando comecei a beber quase profissionalmente.
Então, eu sei até quanto agüento beber, sei quando estou prestes a passar mal e por qual motivo. Mas eu bebo bastante. E há muitos anos não passo mal. Eu bebo todo dia faz muito tempo. Acho que neste ano fiquei umas três ou quatro noites sem beber nada. Eu bebo em casa. Eu desmaio de sono, mas não passo mal.
Mas, mesmo bebendo sempre e bastante, eu decidi que iria tomar mais ainda naquele dia porque tinha trabalhado 20 dias direto, porque minha história de amor não tinha solução e por causa de um outro motivo.
Fui num lugar muito pequeno, muito quente e muito cheio. Eu, muito sabida, me liguei na hora quando, mesmo sem ter bebido muito, comecei a perder os movimentos, enxergar sem nitidez e sentir faltar o ar. A minha pressão vai cair. Fui para uma área ao ar livre, com dois amigos, para melhorar. Tudo muito consciente. Até eu quase desmaiar. Devo ter perdido a cor dos lábios, porque me sentia pálida, sem sangue, suava frio. Uma tradicional queda de pressão. Meus amigos me ajudaram, fui melhorando, melhorando, a ponto de ver um careca raspado de camiseta branca enfiar um punhado de sal na minha boca e dar broncas nos meus amigos por me deixarem beber tanto.
Sim, um estranho se intrometeu no meu porre. Numa noite de sábado, num lugar de amantes de rock.
Como sou meio egocêntrica, achei que era um homem dando em cima de mim. Depois, vi que era um ser humano superpreocupado mesmo. E foi achando isso que melhorei de vez, bebi água e voltei para pista. Meio seqüelada, mas sã. Sempre na água, voltei a dançar, cantei, tava tudo bem. Quase profissional. Eu estava sóbria agora.
Uns 40 minutos depois, já dançando de mãos para o alto na pista, sou cutucada e me entregam um cartão. Era o careca raspado de camiseta branca. Peguei o cartão, ele virou as costas. Rá! Eu falei que ele estava dando em cima de mim _agora me deixou o cartão de visita e vai torcer para eu ligar. Eu sabia!
Como a minha história de amor não tem solução, fui ver o que tinha no cartão. Iluminei com o celular e leio "Carlos" alguma coisa. A firma: "C.A.E.". Eu preciso de mais luz. Aproximo mais o celular do cartão. "Centro de Atendimento e Encaminhamento a Quimiodependência - Álcool e Outras Drogas." Era só o que me faltava _um estranho me sugerir tratamento aos 27 anos porque a minha pressão caiu num bar, num sábado à noite, num lugar quente e lotado, no dia em que descobri que minha história de amor não tem solução.
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